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Ansiedade – Relação entre Corpo e Mente

Ansiedade – Relação entre Corpo e Mente

13/MAI/2020

Saúde

O conhecimento científico em relação à mente humana evoluiu em uma velocidade impressionante desde a fundação da psicologia/psiquiatria (OLIVA, A.D. et al., 2006).  Esse avanço das pesquisas no que tange ao funcionamento cerebral motivou uma quantidade abundante de estudos responsáveis por atestar e comprovar que a seleção natural agiu de forma enfática ao privilegiar os seres humanos com habilidades cognitivas mais desenvolvidas. Paralelo a isso, surgiram também inúmeros questionamentos acerca do funcionamento desse órgão: Como funciona o cérebro? Como determinamos o comportamento humano em diferentes situações? Quais fatores influenciam na formação da personalidade? Essas são algumas das inúmeras perguntas que abrangem a neurofisiologia do cérebro. Com isso, associado aos padrões dos avanços da modernidade, surge uma questão que afeta milhares de pessoas em todo mundo: a ansiedade e os impactos da relação entre o corpo e mente.

 

Sendo assim, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a ansiedade é considerada um estado psíquico natural que acompanha o homem em seu processo adaptativo com o objetivo de deixar o corpo em estado de alerta em situações de perigo. Deste modo, essa inquietação, gerada durante certas circunstâncias, é considerada um sentimento vago, sendo uma sensação desagradável que proporciona medo e apreensão provenientes da antecipação do perigo, de algo estranho ou desconhecido. No entanto, existe um limiar entre o que é considerado normal e o excessivo, uma vez que a patologia ocorre quando essa emoção passa a ser um distúrbio, trazendo prejuízos sociofuncionais e/ou sentimentos de sofrimento para o indivíduo. Com isso, um dos transtornos crônicos que envolvem ansiedade exagerada e preocupação sobre diversos eventos ou situações na maioria dos dias por pelo menos seis meses é o chamado Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG). Conforme a Associação Brasileira de Psiquiatria  (ABP), a apresentação de sintomas são variáveis e costumam ser dividos em psicológicos, como irritabilidade, insônia, inquietude, preocupação acima no normal e falhas de memória, e queixas físicas, por exemplo tensão muscular, mãos úmidas e frias, xerostomia, sudorese, náusea, diarreia, desejo frequente de urinar e dores no corpo. Além disso, esse transtorno pode levar a uma incapacidade funcional, a um comportamento de risco e a possíveis abusos e dependências de substâncias psicotrópicas, o que pode culminar em um afastamento laboral.

 

Tendo em vista tais conceitos e os altos índices de indivíduos ansiosos no mundo hodierno, surge o questionamento: por que a modernidade trouxe um aumento da prevalência da ansiedade na população? Um dos principais fatores que explicam esse panorama é o grande fluxo de informações da contemporaneidade, tal como explicou o sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Segundo o pensador, o conceito da “Modernidade Líquida” define muito do que se é compreendido pelas mentes ansiosas, haja vista são diversas as incertezas, as relações tornaram-se voláteis e fracas e o mundo está cercado de medos e de inseguranças que parecem ser indissociáveis à vida, como: o temor a catástrofes, a pandemias, a violências urbanas, a ações terroristas, a morte, ao desemprego e a outras diversas situações. Além disso, desde a fase infantil, há uma pressão demasiada no que tange ao alcance dos sucessos profissional e pessoal. Dessa maneira, a sociedade molda os indivíduos de tal forma que uma parcela considerável da população se vê pressionada a alcançar a perfeição, ou seja, é essencial que essas pessoas estejam sempre atualizadas e que sejam extremamente eficientes, sendo produtivas cem por cento do dia. Com isso, acumulam uma grande carga de conhecimento que, em sua grande maioria, não será aplicado adequadamente na prática.  Concomitantemente, é criada uma competição desleal entre as pessoas que motiva o isolamento social e resultado de um desprezo do fato de que o corpo humano é um organismo que necessita de equilíbrio para o seu funcionamento adequado. Dessa forma, os pontos positivos na saúde das relações interpessoais, das práticas de lazer e dos momentos de pausa de toda a carga do cotidiano são perdidos e esquecidos e, por conseguinte, há o surgimento do processo de adoecimento da mente que resulta em enfermidades no corpo. Nesse contexto, uma das classes com altos índices de indivíduos acometidos pelo TAG é a médica, incluindo os acadêmicos de medicina. 

 

Desse modo, discute-se outra questão: por que existe uma quantidade tão grande de futuros médicos apresentando um comportamento ansioso? Tendo em mente o ambiente em que estão inseridos, a resposta dessa pergunta se inicia antes do vestibular, já que é importante levar em consideração a concorrência extremamente alta para obter a aprovação para o ingresso no curso. Para atingir essa meta, abre-se mão, de modo recorrente, do tempo com a família e com os amigos, do lazer e do descanso, que são momentos essenciais para um equilíbrio psíquico. Após ser aprovado no vestibular, o acadêmico apresenta, muitas vezes, significantes mudanças de hábito para se adaptar à escola médica, especialmente no primeiro semestre, deparando-se com novos desafios: grandes quantidades de conteúdos ministrados e com pouco tempo para se dedicar aos estudos, muitas tarefas e trabalhos para serem entregues em prazos curtos, ter um excelente currículo, um alto rendimento acadêmico e, ao final, ser aprovado nas provas de residência. Outra situação causa inquietação para o estudante é a visão que a maior parte da sociedade tem sobre os médicos, considerando-os indivíduos semelhantes a heróis, de modo a ter uma baixa tolerância aos possíveis erros por parte desses profissionais ou um reduzido sentimento de empatia, visto que, não raro, se esquece que eles estão sujeitos às adversidades da vida humana. Essas situações de estresse e de ansiedade são especialmente preocupantes, porque afetam funções fisiológicas, psicológicas e cognitivas, bem como prejudicam a qualidade de vida, o aprendizado dos estudantes e a relação médico-paciente (VASCONCELOS, T. C. et al. 2014). Para mais, destaca-se também a atual situação de milhares de acadêmicos de medicina que, frente a pandemia pelo coronavirus, tiveram as aulas teóricas presenciais convertidas em aulas online na modalidade de Ensino a Distância (EaD). Assim, além da falta de contato com as pessoas durante o isolamento social, a questão da ansiedade torna-se mais intensa, uma vez que as faculdades continuaram suas atividades teóricas online com conteúdos densos e extensos, com atividades avaliativas e com preocupações e responsabilidades ainda maiores que perpassam a rotina diária de estudos.

 

Portanto, é notório que a falta de cuidado em relação ao bem-estar dos acadêmicos, ao mesmo tempo que é uma questão de saúde individual, constitui um problema de saúde pública, visto que o prejuízo na formação dos futuros médicos pode acarretar malefícios que irão reverberar também sobre os futuros pacientes atendidos por esses profissionais. Em virtude disso, diante do contexto atual,  é essencial construir uma rede de apoio que seja eficiente e que ofereça suporte adequado ao acadêmico de medicina. Ademais, seria interessante que as escolas médicas aplicassem  programas de gestão do tempo e de planejamento de estudos, sobretudo nos primeiros períodos da faculdade, tendo como principal objetivo orientar os acadêmicos e tornar o processo de formação do conhecimento mais prazeroso e eficaz, assim como é importante a construção de uma grade curricular equilibrada capaz de prover o conteúdo ministrado sem comprometer a saúde mental do estudante. Além disso, seria interessante  a promoção de uma maior integração entre os acadêmicos, buscando incentivar a troca de experiências e de saberes, com o intuito de proporcionar a criação de vínculos na faculdade, bem como incentivar a busca pelo equilíbrio entre corpo e mente, mesmo em períodos difíceis. A prática regular de exercícios físicos aeróbios também pode ajudar, pois comprovadamente induz uma diminuição ansiedade e protege o organismo dos efeitos prejudiciais do estresse em relação à saúde física e mental do indivíduo. Por fim, em casos mais intensos, pode ser feito um tratamento com abordagem orientadora, com farmacoterapia e/ou com psicoterapia.

 

Em síntese, a ansiedade pode trazer prejuízos sociais, acadêmicos, ocupacionais e também um sofrimento clinicamente relevante. Sendo assim, é crucial manter a mente saudável, com a finalidade de evitar problemas psiquiátricos futuros e de garantir a saúde de forma integral conforme a sua definição feita pela OMS: “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”.

 


Escrito por: Comissão Ensino Médico

Hiany Bacelete Tavares e Nathália Tavares Mendonça


REFERÊNCIAS 

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA (ABP). Pesquisa sobre sintomas de transtornos mentais e utilização de serviços em crianças brasileiras de 6 a 17 anos. 2008. Disponível em: <http://www.abpbrasil.org.br/medicos/pesquisas/ >Acesso: abril2020.


BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.


BAUMAN, Z. Amor líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.


OLIVA, A.D. et al . Razão, emoção e ação em cena: a mente humana sob um olhar evolucionista. Psic.: Teor. e Pesq.,  Brasília ,  v. 22, n. 1, p. 53-61,  Apr.  2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php script=sci_arttext&pid=S0102-37722006000100007&lng=en&nrm=iso>. Acesso: abril 2020.


FLORENZA, Vicente Orestes; MIGUEL, Euripedes Constantino. Compêndio de Clínica Psiquiátrica. 1. ed. São Paulo: Manole, 2012.


VASCONCELOS, T. C. et al. Prevalência de Sintomas de Ansiedade e Depressão em Estudantes de Medicina. REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA. 39 (1) : 135-142; 2015. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/rbem/v39n1/1981-5271-rbem-39-1-0135.pdf> Acesso: abril 2020.


 WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Mental Health Policy, Plans And Programmes. Genebra, 2004a. Disponível em: <http://www.who.int/mental_health/policy/en/policy_plans_revision.pdf> Acesso: abril 2020.


WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Documentos básicos. 26.ed. Ginebra: OMS, 1976. Disponível em: < https://apps.who.int/gb/bd/s/index.html> Acesso: abril 2020.


ARAÚJO, S. R. C. D; MELLO, M. T. D; LEITE, José Roberto. Transtornos de ansiedade e exercício físico. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 164-171, out./2006.